Dani Portela (PSOL) fala sobre trajetória política e o encontro com Marielle Franco
- Elizabeth Souza
- 24 de nov. de 2020
- 4 min de leitura

O primeiro turno das eleições municipais do Recife, ocorrido no último dia 15, trouxe consigo um feito histórico para a capital pernambucana. Cidadãos e cidadãs recifenses foram às urnas e elegeram Dani Portela (PSOL), mulher negra do feminismo popular, como a vereadora mais votada da cidade com um total de 14.114 votos. Entronizando o provérbio africano “Ubuntu”, que significa “eu sou porque nós somos”, Dani diz que sua trajetória até aqui só foi possível porque outras mulheres vieram antes abrindo caminhos por meio de lutas e resistências. Dentre estas, uma recebe destaque especial e a quem é dedicada a vitória obtida no Recife, a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), com quem teve um encontro dias antes de seu assassinato, ocorrido no Rio de Janeiro, em 2018. “Ela pediu para que eu não desistisse”, conta.
Apesar de vir de uma trajetória política fecunda pelas atuações como advogada popular, historiadora, alfabetizadora, ativista do movimento negro e feminista, Dani nunca imaginou que enveredaria no meio político partidário. “Nunca imaginei meu rosto em um santinho”, diz. A decisão veio em 2016, com o Impeachment da ex-presidente Dilma Roussef (PT), procedimento considerado misógino pela vereadora recifense. “Pra mim, Dilma tinha um simbolismo muito grande por ter sido a primeira mulher eleita presidente, e o impeachment que ela sofreu foi um recado indireto de como a sociedade patriarcal se comporta quando uma mulher chega a um cargo importante”.
O momento exato da virada de chave, se deu durante a votação do impeachment na Câmara dos Deputados, onde o atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido), na época deputado federal, votou a favor do processo e ainda exaltou o nome do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador da Ditadura Militar, que teve como uma de suas vítimas Dilma Rousseff. Filha adotiva de um ex-preso político da ditadura, Dani disse que aquele momento a motivou a querer atuar em outra frente. “Aquela fala me cortou profundamente, porque Ustra não foi apenas o pavor de Dilma, mas também do meu próprio pai”, disse a vereadora.
Naquele mesmo ano, ela resolve ingressar no PSOL e a escolha pelo partido se deu “por causa da paridade de gênero nas instâncias de decisão nacionais, estaduais e municipais dentro da sigla”, destacou. Depois de filiada, em 2018, por meio de uma decisão coletiva, Dani Portela resolve concorrer às eleições estaduais se candidatando à governadora em Pernambuco, encerrando a disputa em terceiro lugar. Questionamentos surgiram ao longo do caminho por estrear no pleito como candidata à governança. "Por ser um estado com uma oligarquia tão marcante, de capitanias hereditárias políticas, surgiram questionamentos por eu ser uma mulher negra vinda do movimento social e estar me colocando como candidata naquele momento”, contou. Dúvidas surgiram, mas Dani afirma que tinha a certeza de não estar caminhando só, convicção que se fortaleceu em um encontro com Marielle Franco durante o evento de Mulheres Negras realizado pelo PSOL, em São Paulo.
Mulher negra, mãe, lésbica, da periferia, Marielle, eleita vereadora do Rio de Janeiro, em 2016, com mais de 46 mil votos, era defensora assídua de pautas como os direitos das mulheres, da população negra e lutava contra o genocídio, a violência policial, o cárcere em massa. Trajetória que inspirou diversas mulheres pelo país, a exemplo de Dani Portela. “Marielle era uma pessoa gigante, não passava despercebida em nenhum lugar que chegasse. Expansiva, sorriso largo, possuía uma fala que era muito forte e contundente”, enfatizou. E foi durante uma conversa de intervalo, entre uma atividade e outra, que a então vereadora carioca fez um pedido à parlamentar recifense que soou quase como um mantra. “Ela pediu que eu não desistisse, que mulheres negras não desistissem, que era um tempo de retomada dos territórios políticos e saímos daquela conversa certas da mudança”, informou. Poucos dias após aquele encontro, Marielle foi assassinada, no dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. Até hoje não se sabe quem mandou matar Marielle.
“Acredito que o que aconteceu comigo quando recebi a notícia, aconteceu com muitas pessoas Brasil afora, que foi entender que aqueles tiros traziam um recado de silenciamento”, conta. “Mas o que eles não sabiam é que uma pessoa como Marielle não morre, vira semente”. Mencionando o lema africano da campanha da parlamentar, quando concorreu à Câmara Municipal fluminense, Dani Portela diz que ‘Ubuntu’ significa “Eu sou porque nós somos”. “Ela [Marielle] era porque vieram outras mulheres antes dela; eu sou, porque ela foi e vieram outras antes de nós e seremos porque outras virão pra seguir a nossa luta”.

Esperançar
Em um cenário de tímido avanço comparado às últimas eleições municipais, onde nenhuma mulher negra foi eleita, Recife, em 2020, conseguiu eleger apenas uma para a Câmara de Vereadores, mesmo elas tendo sido maioria (18,5%) na disputa em relação às mulheres brancas (11,4%), que, assim como em 2016, conseguiram eleger seis candidaturas. Das 39 vagas, apenas sete são preenchidas por mulheres. Apesar disso, a eleição de Dani Portela surge como aviso de um movimento político que parte do eleitorado, que exige, cada vez mais, representatividade nos espaços de poder, gesto que fica explícito com a primeira colocação ocupada por Dani Portela no ranking dos vereadores mais votados, posto que, no último pleito municipal, fora ocupado pela conservadora Michele Collins, vereadora que alcançou a reeleição em 24ª lugar este ano.
De acordo com o cientista político Caio Santos a adesão das pautas identitárias por parte dos/as candidatos/as e do eleitorado é um dos grandes fatores que tem aberto espaço para a eleição de candidaturas mais plurais. “Mulheres que se juntam e se fortalecem, LGBTQI+ que se organizam e se elegem e principalmente, a comunidade negra que abrange as duas outras comunidades e somada é a maioria da população”, explica. “Essa consciência de grupo social fez muitas cadeiras pelo Brasil, e Dani é uma delas, trazendo pautas sociais que foram sustentadas e tratadas como prioridade. Com essa eleição estamos vendo que, apesar do descrédito de alguns, não é tão difícil entender a importância dessas temáticas ditas identitárias, que são, na verdade, pautas de todos”, completa.
Confirmando o raciocínio desenvolvido por Caio, Dani diz dedicar sua vitória à Marielle Franco e que, este ano, “Recife dá o recado de que a gente precisa de mulheres no centro dos espaços de poder, mas não qualquer mulher, é preciso estar comprometida com a luta. Vamos construir coletivamente e é assim que a gente chega porque mulheres são como água, quando juntas elas se espalham, e a gente vai se espalhar nessa cidade”, finalizou a mais nova parlamentar recifense.
Comments