Palavras Negras: a afropoesia do escritor Roberto Silva
- Elizabeth Souza
- 11 de jun. de 2018
- 4 min de leitura

Roberto José da Silva, 28 anos, é natural de Alagoa Grande (PB), e estudante do curso de Letras na Universidade Federal da Paraíba. Escritor de poesias, o jovem diz que o encanto pelos versos é algo que o acompanha desde criança, época em que já demonstrava aptidão para a escrita. Durante a adolescência, Roberto permaneceu imerso no mundo da literatura, o que lhe permitiu conhecer obras de autores renomados, como: Fernando Pessoa, Cecília Meireles e Florbela Espanca, nomes que influenciam sua produção literária.
Em 2009, dando visibilidade ao que produzia, Roberto Silva criou o blog “A voz do meu Silêncio”, onde publicava seus poemas inspirados nos sentimentos mais íntimos. “Era um blog voltado apenas para expor meus poemas entre amigos próximos. Eu ainda o mantenho ativado, mas com o passar dos anos, ao ponto em que eu ia amadurecendo a minha visão sobre o fazer literário, postava cada vez menos. Hoje, inclusive, quase não posto, porque estou bem rigoroso quanto a minha produção.”, afirmou o jovem poeta.
Após seu ingresso no curso de Letras, em 2012, o contato com as teorias literárias o induziram a um olhar mais crítico sobre as suas produções, que passam por um processo constante de amadurecimento. “Costumo passar semanas, meses, namorando meus poemas e algumas crônicas, lapidando-os esteticamente, até sentir que, de fato, eles estão prontos para serem expostos”. O seu processo de aprimoramento literário fortaleceu sua ligação com a escrita, ato que, segundo ele, considera vital.
“O que constatei, em todos esses anos em que ouso escrever, é que essa vontade para tal é como uma necessidade de viver. Escrever para mim é permanecer vivo.”, declarou.
Os poemas de Roberto Silva envolvem o turbilhão de sentimentos que permeiam seu cotidiano, desde o que o inquieta até o que lhe dá prazer, o que torna a sua arte um meio de resistência. “Seja sensações que me invadem de súbito, seja pelo meu cotidiano de negro, que vive em uma sociedade racista, a beleza da negritude e tudo o que está relacionado a ela. Escrevo também sobre o amor, sobre a morte, o profano, o divino. A inspiração vem do que eu sinto e vivo no mundo.”, explicou.
O processo de empoderamento negro conquistado através de sua experiência com o Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e Indígenas da Universidade Federal da Paraíba (NEABI) possibilitou a Roberto Silva criar métodos de enfrentamento ao racismo, unindo arte e ativismo. “Eu era um jovem que procurava a todo instante negar a si mesmo para se sentir parte do meio. Mas, aos vinte e três anos, graças às formações do NEABI, me libertei dos grilhões do racismo internalizado de outrora e, foi a partir daí que abracei a afropoesia e a incorporei nas minhas produções poéticas”, alegou.

Escritor negro, Roberto Silva utiliza a poesia como um instrumento antirracismo. Membro do movimento “Rolezinho Poético-PB”, idealizado pela jornalista Andréa Gisele, com o intuito de realizar declamações de poemas escritos por negrxs e apresentações de diversas expressões artísticas que contribuem com a valorização da cultura negra, Roberto enxerga na arte e na literatura recursos para a construção de uma sociedade livre de preconceitos.
Além do “Rolezinho Poético”, Roberto também participa do “AFROnte”, projeto de sua autoria, que atua através de intervenções poéticas. Criado em 2016, o “AFROnte” surgiu através de uma intervenção poética que Roberto realizou para o XL Encontro Nacional de Casa de Estudantes, em Pelotas, Rio Grande do Sul. De acordo com o jovem, o seu projeto é um dos meios onde encontra incentivo e inspiração.
Ao falar sobre os projetos futuros, Silva não hesitou em demonstrar o desejo em publicar suas produções. “Não sei se chegarei a fazer carreira, porém pretendo publicar algo num futuro próximo. Tenho algumas coisas escritas, mas ainda tenho muito o que amadurecer, muitos novos escritores e escritoras para ler e me encantar. Mas, assim que me sentir pronto, de fato, não hesitarei em publicar algo”. E convicto de que a poesia em sua vida é um caminho sem volta, acrescentou: “Não há em mim pretensão alguma de parar de escrever enquanto estiver vivo.”
A luta que Roberto Silva e tantos outros escritores negros participam no combate ao preconceito racial tem a ver com a busca da representatividade, ponto fundamental para a valorização da identidade e cultura negra. Seguindo esse caminho, Silva reconhece o lugar de resistência que a sua produção literária ocupa. “O nosso cânone literário é puramente brancocêntrico, salve raríssimas exceções, por isso eu quero criar palavras carregadas de significados, que possam enfrentar o racismo e salvar os meus iguais”. Para Roberto, as palavras possuem esse poder transformador e salvífico, portanto, através de uma experiência pessoal, ele acredita que através da literatura o povo negro pode encontrar força e incentivo.
“Porque quando leio algum texto literário produzido por algum escritor ou escritora negrxs me sinto salvo por suas palavras, elas têm esse poder”, concluiu.
Confira, a seguir, o poema “Estandarte” do escritor Roberto Silva:
O estandarte foi erguido
C'as cores da negra arte,
Ao som do vento e do tambor,
Dum zumbido esplendoroso
Que faz o ouvido zunir.
É um som que dança na mente,
Como um atabaque tocando o baque
Da Casa-grande incendiada,
Da alva senhora envenenada,
Da velha senzala a ruir.
Um impacto como explodir duma bomba
Eu senti ao beijar os teus pés, ó Calunga!
Eu olhei pro estandarte tingido de luta
E ouvi o som, que não era do vento,
Mas do clamor de guerra de Zumbi.
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