Palavras Negras:escritor paraibano utiliza a arte como ferramenta de combate ao racismo
- Elizabeth Souza
- 28 de mai. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 18 de jul. de 2019

Dando continuidade à edição #PalavrasNegras, que tem o objetivo de trazer entrevistas com escritores e escritoras negras que residem na capital paraibana, estreando a edição com a escritora Débora Gil Pantaleão, nesta segunda publicação, o Lugar Afro foi conversar com o escritor Thiago Costa que através da arte e da literatura cria ferramentas de combate ao racismo.
Thiago André de Lima Costa, 25 anos, é natural de Bananeiras, interior da Paraíba, seu contato com a escrita e a literatura começaram ainda na infância, a partir de uma rotina criada com o primo. “Eu escrevo desde criança, era um dos meus hobbys. Eu ia para biblioteca com meu primo e a gente competia pra ver quem terminaria primeiro a leitura de um livro, era uma obra por dia. Esse ato de ler gerou em mim o desejo de escrever, então comecei”, explicou. A partir daí, ele não parou mais.
“Hoje, a escrita pra mim é um processo orgânico, é como beber água”, declarou.
Inicialmente, o estilo literário de Thiago Costa era influenciado por escritores românticos, literatura mais consumida pelo jovem. Mas foi a sua mudança para João Pessoa, aos 19 anos, que serviu como divisor de águas para a sua carreira de poeta. Sua vinda para a capital paraibana permitiu sua aproximação com a literatura e a identidade negra, fatores que o influenciaram na escolha do estilo literário que viria a nortear as suas obras: a poesia. “Quando passei pelo processo da identidade negra, algo que nos é negado, me deparei com um portal, pois pra mim foi tudo um “antes e um depois”, foi um encontro muito forte. Quando vivemos o processo de identificação e afirmamos essa identidade, passamos a pensar sobre ela e a forma como nos encontramos com ela e ela com a gente”, enfatizou.
As obras de Thiago conversam com a ancestralidade, a identidade e a religião de matriz africana em busca da visibilidade do povo negro, uma atitude semelhante a de escritores como Stela do Patrocínio, Abdias do Nascimento, Carolina de Jesus, Miró da Muribeca e Neusa Santos, autores lidos e admirados por Thiago Costa. “O negro escrever é um ato político e histórico porque isso nos foi negado durante muito tempo”, afirmou. Seu primeiro livro intitulado “Carrancuda”, uma coletânea de poesias, cujo lançamento ainda está em processo de análise, é um dos exemplos do uso da narrativa para o enfrentamento ao racismo.

“Carrancuda” é um livro dividido em três capítulos: Preto, Vermelho e Branco, em homenagem ao orixá da terra, Obaluaiyê, cujas cores representam as divisões da obra. O primeiro capítulo, Preto, aborda o enaltecimento da identidade e cultura negra; o segundo, Vermelho, são poesias denúncias que falam sobre genocídio e racismo e o terceiro capítulo que tem como nome um vocativo, Branco, chama a atenção para as problemáticas vividas por um negro em uma sociedade de supremacia branca. Além de “Carrancuda”, Thiago também está produzindo um segundo livro de poesias curtas e concretas e, futuramente, pretende lançar uma coletânea de poetas negros.
Além do processo de empoderamento realizado pelas obras dos escritores negros, também existe outro processo bastante importante, o registro histórico. “Ler um escritor negro é ter acesso a um registro e isso é fundamental. Quando eu escrevo estou registrando como é ser negro hoje. Outras obras como “O Genocídio do Negro Brasileiro”, de Abdias do Nascimento, mostra uma história que não foi contada, porque, na escola, nos ensinam a falsa abolição, mas não nos contam sobre o processo de ressocialização da população negra em diáspora aqui no Brasil e o Abdias nos traz esse relato importante, então passamos a ter acesso a essa parte omitida”, afirmou Thiago.
“Quando eu comecei a partilhar minhas poesias com outras pessoas negras, elas começaram a se identificar, a partir daí esse trabalho passou a ter sentido pra eles e, consequentemente, teve um sentido pra mim também, por isso veio a vontade de querer publicar e criar novas possibilidades de narrativas”, continuou.
Ao falar sobre as dificuldades que escritores negros encontram no mercado literário, Thiago diz que ainda não houve uma compreensão realista sobre a riqueza e importância que existem na literatura negra, valorização que já existe em outros ramos artísticos. “Eu acho que esses lugares institucionais não estão interessados ainda nas nossas produções. A literatura e o seu capitalismo literário ainda não tiveram o estalo do quanto pode ser interessante essas publicações. A música e o cinema já perceberam isso, mas as editoras não e isso é um problema porque é uma lacuna que não está sendo preenchida. A importância da gente ocupar um lugar e ser protagonista é urgente”, disse.

O processo de escrita também permitiu a Thiago enveredar por outras vertentes artísticas, como o cinema e a arte visual. “Eu sou negro, a minha inspiração é o povo negro, eu vivo nos mesmos espaços que eles, o fato de eu ser de Candomblé também é uma inspiração constante. Então isso tudo me motiva a querer buscar a arte negra, seja no cinema, na música, nas artes visuais e isso foi me levando a também querer viver esses ramos artísticos. Faço parte de um coletivo de realizadores negros no audiovisual, temos uma mostra de cinema negro que, inclusive, já foi apresentada em alguns quilombos na Paraíba. Também participo de uma série performativa que se chama Problemas e Aspirações do Negro Brasileiro e tenho uma página no Instagram chamada Ame Preta, onde exponho as artes que produzo”, falou.
Para Thiago Costa, um jovem de 25 anos, a arte já se revelou como uma importante ferramenta de combate às injustiças e violências sociais e isso o motiva a continuar trilhando o caminho de artista, seja na literatura, no cinema ou na arte visual. “A arte tem um forte poder transformador, é um excelente instrumento de educação e o meu desejo é que as crianças tenham acesso a isso nas bibliotecas das escolas, que as pessoas leiam, desmistifiquem a ideia demonizada sobre as religiões de matriz africana e que elas percebam onde começa o racismo e como combatê-lo. Empoderamento é isso, é aprender a se defender e saber quando atacar”, concluiu.
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