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Pandemia e os impactos da sub-representação negra na política

  • Foto do escritor: Elizabeth Souza
    Elizabeth Souza
  • 9 de jun. de 2020
  • 6 min de leitura

Atualizado: 10 de jun. de 2020



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Estamos vivendo um fervor nos debates referentes a temáticas antirracistas no Brasil, algo que é extremamente importante e que deve ser prática cotidiana. Aproveitando esse momento, é crucial refletir sobre um tópico que dialoga diretamente com essas narrativas: a sub-representação negra na política. A pandemia do novo coronavírus vem escancarando da forma mais atroz possível esse hiato que existe no cenário político, onde estratégias para o combate ao racismo são invisibilizadas. No país temos mais de 700 mil pessoas infectadas com a covid-19 e estamos nos aproximandos das 40 mil mortes. Quando, em abril, o Ministério da Saúde publicou os primeiros números de mortes e infectados com recorte racial ficou mais nítida a desigualdade que atravessa o país, realidade banalizada pela política embranquecida.


A pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil de 2018, realizada pelo IBGE, explicitou o desequilíbrio representativo que existe nos espaços de poder político. De acordo com os dados da pesquisa, negros e negras representam apenas 24,4% dos deputados federais e 28,9% dos deputados estaduais eleitos em 2018 e 42,1% dos vereadores eleitos em 2016. Como tudo isso impacta o enfrentamento ao racismo em época de pandemia?


Quando avaliamos o que a pandemia tem mostrado sobre a ausência de políticos negros comprometidos com a causa antirracista, estamos nos referindo a pessoas que entendem a estrutura racista que permeia o Brasil e conhecem as vivências e demandas de negros e negras que compõem mais da metade da população do país, como avalia Biatriz Santos, integrante da Articulação Negra de Pernambuco e Coordenadora do projeto Favelas Camarás, que visa combater a Covid-19 no município de Camaragibe, Região Metropolitana do Recife.

“Ter pessoas negras pensando e fazendo política no contexto de pandemia é primordial porque o olhar seria mais sensível com os mais vulneráveis”, afirma Biatriz.

Os números não deixam mentir


Em meio à crise sanitária atual a desigualdade se traduz em números. De acordo com o Instituto Trata Brasil, apenas 53% dos brasileiros têm acesso à coleta de esgoto. Os dados são mais graves no Norte e Nordeste, onde apenas 10,49% e 28,01% da população tem acesso a esse tipo de atendimento, respectivamente. Também são essas regiões que concentram maior parte da população negra brasileira, de acordo com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), e onde estão concentrados os maiores casos da covid-19. Nordeste com 272.280 mil casos confirmados e 12.561 mortes e o Norte com 160.767 casos e 7.385, de acordo com dados do Ministério da Saúde.


Para Biatriz Santos, o mercado de trabalho é outra realidade que impede a população negra viver o distanciamento social de maneira eficaz. “Falar de isolamento acaba sendo uma questão de rever privilégios. Não é todo mundo que pode se isolar, a grande maioria da população é negra, se concentra em periferias e precisa sair pra trabalhar. São empregadas domésticas, quitandeiros, ambulantes, comerciantes que fazem a renda da sua família a partir da diária do seu trabalho, é no dia a dia que se consegue o lucro mensal pra se levar o alimento pra sua família”, aponta. Em meio aos números alarmantes de desempregados no país, a taxa da informalidade cresce. De acordo com a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil de 2018, negros e negras representam 47,3% das pessoas inseridas no trabalho informal, com destaque para as regiões Norte e Nordeste que apresentaram os piores resultados nesse quesito. Nesse mesmo ano, a população negra também representava 64,2% dos desempregados.


Integrante da coordenação da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Mônica Oliveira, afirma que o racismo além de contribuir com essa demarcação de desigualdade no campo econômico, também se estende à saúde. “Essas pessoas estão praticamente impedidas de acessar renda, também dependem dos benefícios públicos governamentais, e estamos vendo como estão sendo tratadas as questões dos auxílios. Essas desigualdades também se expressam na condição do sistema público de saúde, que vem sendo sucateado ao longo dos anos, a exemplo da Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos em educação e saúde por 20 anos”, explica.


De acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, 67% dos brasileiros que dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde) são negros, estas também são as pessoas mais afetadas por doenças como diabetes e hipertensão, problemas de saúde que agravam o quadro de pessoas infectadas por coronavírus, as enquadrando nos grupos de risco. A prevalência da hipertensão arterial, por exemplo, segundo o Painel de Indicadores do SUS de 2016, foi de 24,3% na população brasileira, sendo 27% maior em pretos e 6% maior em pardos quando comparados aos brancos. No Brasil, o grupo de risco tem classe social e cor.


Uma sociedade atravessada pelo racismo


Todos esses fatores dialogam diretamente com o racismo institucional e estrutural que cria hierarquias onde pessoas negras são consideradas vidas descartáveis. “O racismo é um fator estruturante da sociedade, estruturador do Estado brasileiro e isso se evidencia em todas as dimensões do cotidiano da vida em sociedade no pais. Então, quando falamos no contexto de pandemia, essas desigualdades ficam ainda mais explicitas, elas estão expressas nos números e esses números são pessoas”, diz Mônica Oliveira.


Dados que apontam a população negra como a mais vulnerável no quesito saúde, moradia, empregabilidade e etc., provam como as instituições que deviam trabalhar a serviço do povo de forma igualitária, como assegura a Constituição Federal de 1988 no seu Artigo 5º, fortalecem o cenário de desigualdade e violência. Quando o Estado falha no quesito saúde para a população negra, quando não são trabalhadas políticas públicas para corrigir efetivamente erros históricos que contribuíram para que essas pessoas, estejam hoje em lugares de subalternidade, tudo isso é considerado racismo institucional, feridas que só foram e são possíveis graças ao racismo estrutural que tem suas raízes fincadas na sociedade brasileira há mais de cinco séculos.


Para a socióloga e professora da Universidade Estadual da Paraíba, Ivonildes da Silva Fonseca, é necessário que exista um olhar mais sensível para as demandas dos que ocupam a base da pirâmide social. “Organização popular, fortalecimento da educação pública, do SUS. Precisamos de acesso ao conhecimento de assistência para a saúde para ganharmos força nas narrativas e discussões. Compromisso social das instituições jurídicas. Programas que contemplem a formação social e étnica desse país com proposições de vida digna para esses segmentos”, avalia.


Ocupando espaços de decisão


A co-fundadora do partido Frente Favela Brasil, Anna Karla, avalia a ausência de pessoas negras na política brasileira como resultado de um projeto que visa excluir essa população dos espaços de decisão, o que contribui com a permanência de um cenário de exclusão, já que espaços que permitem colocar em prática alternativas de mudança são de difícil acesso.


“Esses sãos processos de marginalização e de estereótipos construídos para que não sejamos vistos como pessoas capazes de ocupar espaços de decisão”, explica Karla.

Além de enfrentar todos os quesitos de exclusão social, a pessoa negra quando alcança espaço dentro de um partido ainda tem que lidar com o quesito raça que proporciona mais dificuldades para sua candidatura. “Existe uma série de burocracias dentro das instituições partidárias, que são majoritariamente compostas no seu campo de decisão por pessoas brancas de classe média. Temos que analisar quem são as executivas do partido, quem decide orçamento e isso tudo é muito velado. É a partir daí que se decide quem é o candidato prioritário e quem não é, quem vai ter sua candidatura apoiada e quem não vai. Como é que a gente pode falar nas disputas dentro do campo institucional se no começo do processo já é um outro embate?”, questiona Anna Karla.


“No campo da eleição, você precisa ter material, você precisa ter equipe, precisa ter comunicação, o candidato precisa de uma série de fatores pra chegar no eleitor, isso tudo é gasto e o partido vai escolher pra quem vai destinar o seu recurso e para quem não vai e é nessa disputa que a gente fica para trás”, completa.


Um exemplo que representa bem essa realidade é o da atual deputada estadual de São Paulo, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Érica Malunguinho, que recebeu do fundo partidário apenas R$ 5.000, quando a lei permite um teto de gasto de R$ 1 milhão para deputados estaduais. Com a ajuda de doações e crowdfunding ela conseguiu um pouco mais de R$ 20 mil. Mesmo com a pouca verba, Érica Malunguinho foi eleita com mais de 50 mil votos. “Essa não é uma realidade de um partido específico, isso acontece como um todo. A gente precisa começar a entender como isso funciona e os partidos precisam rever seus posicionamentos”, aponta a co-fundadora do Frente Favela Brasil.





Além da representatividade


A população negra precisa urgentemente de mais representantes inseridos na política brasileira para lutarem por suas demandas, para que o fim das injustiças não seja só mais um sonho e torne-se realidade. Não basta apenas ocupar, é preciso reverter a lógica de poder que existe nesses espaços dominados pela elite branca brasileira. Pois, como bem afirmou Angela Davis, a luta deve ser para trazer pessoas negras comprometidas em romper com os espaços de poder e não simplesmente se encaixar a eles. “É importante que as pessoas tenham pertencimento étnico e compromisso social com os segmentos negros”, reitera a professora Ivonildes da Silva.


É preciso, também, que as instituições assumam seus papeis na luta antirracista e que a sociedade acompanhe esse caminho, como finaliza Mônica Oliveira. “É imprescindível que o Estado assuma do ponto de vista de política pública as ações de superação do racismo. Concretamente, é preciso que haja uma movimentação da sociedade, nas relações sociais e que as pessoas assumam uma postura antirracista. Sem esses dois componentes não é possível superar o racismo no Brasil”.


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