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(Fé)licidade em ser de Axé: a constante luta contra o racismo religioso

  • Foto do escritor: Elizabeth Souza
    Elizabeth Souza
  • 18 de dez. de 2019
  • 5 min de leitura

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Baba Egbe Antony T’jagun (foto: Elizabeth Souza/Lugar Afro)

No dia 10 de dezembro foi celebrado o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Aproveitando a data, o Lugar Afro resolveu debater um tema muito importante que dialoga diretamente com o artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH): a liberdade religiosa. Mas apesar disso, a realidade brasileira em relação à manifestação da fé é bem preocupante. Anualmente, diversos casos de intolerância são registradas Brasil afora e quando o assunto são religiões de matriz africana o cenário torna-se bem mais alarmante, resultado da proliferação dos episódios de racismo religioso.


Utilizar o termo racismo religioso é de extrema importância, uma vez que compreendemos que o termo intolerância religiosa não aborda de maneira contundente os diversos tipos de violência que os fiéis de religiões afro são submetidos.


De acordo com dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), no Brasil, em 2017, foram registradas 144 denúncias de discriminação religiosa contra fieis de religiões de matriz africana, já e em 2018 foram 152 registros, o que corresponde um aumento de 5,5% dos caso. Já outras religiões, não sendo as de matrizes africana, no mesmo período tiveram uma diminuição nas ocorrências. Em 2017 foram registradas 393 denúncias e em 2018 foram 354.


De acordo com a Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 5º, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Ao se tratar de religiões afro a prática é bem diferente, são diversos os tipos de violências que os fiéis dessas religiões são submetidos, desde invasão dos terreiros, passando pelas quebras de imagens e outros símbolos sagrados, demonização da fé até violência verbal e física, o que faz desses locais verdadeiros símbolos de resistência em meio a uma sociedade extremamente racista e intolerante.


Respeite quem é de Axé


Localizado no bairro de Dois Unidos, na cidade do Recife, o Terreiro Ilê Asé Iyalêmim é um desses exemplos de resistência perante os episódios de preconceito que teve que enfrentar. De acordo com a líder religiosa do Terreiro, a juremeira Laurinete, 45, hoje a comunidade respeita o espaço, mas nem sempre foi assim.


“No início, alguns vizinhos denunciavam e a minha forma de combater esses episódios foi através do que eu percebia que a comunidade precisava, o carinho e o respeito. Em meio a tudo isso, ainda tinham pessoas que diziam que a minha religião era coisa do demônio e a elas eu dizia ‘e se eu te convidar pra tu vir participar? Só um pouco, só pra você ver, tirar suas dúvidas’. Então chamei eles, vieram pra festa, participaram e quando saíram me disseram que não era nada daquilo do que pensavam e se eu precisasse de alguma coisa estariam disponíveis para ajudar. Então foi dessa forma que eu fui quebrando o preconceito aqui”, conta Laurinete.


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Juremeira Laurinete em entrevista ao Lugar Afro (foto: Lugar Afro)

Para a líder religiosa, não ter vergonha da sua crença e defende-la é também uma forma de fortalecer a luta contra o racismo e foi isso que ela também ensinou à sua família. Filho da juremeira Laurinete, Baba Egbe Antony T’jagun, 24, começou o relacionamento com o Candomblé ainda na infância, e diz que a sua criação doméstica foi essencial para saber defender sua religião. “Meus pais sempre me ensinaram que a nossa fé não pode ser escondida. Se somos de Candomblé, temos que mostrar que somos”, diz Antony.


Mas isso não foi suficiente para esquivar o jovem de episódios preconceituosos. Na época da escola, por exemplo, em uma feira de conhecimento, cujo tema era o continente africano, Antony participou do evento com seus trajes de Candomblé e foi censurado por alguns alunos. “Diziam que eu não precisava expor a minha fé daquela forma. Mas como eu vou falar da minha religiosidade se eu não vou caracterizado com os trajes corretos? Se fosse um protestante, um católico eles usariam suas vestes, então pra mim foi constrangedor”, afirma.


O combate


Em meio aos diversos episódios de preconceito que pessoas de religiões afro são submetidas, Antony comenta um outro ponto muito importante: a quem recorrer quando for vítima de racismo religioso? Qual órgão é responsável por isso? Para conversar sobre o assunto, o Lugar Afro também entrevistou dois integrantes da Coordenadoria de Igualdade Racial de Pernambuco, Pai Alan de Oxalá e Marta Almeida, para compreender a atuação do órgão perante essas situações.


A Coordenadoria surge em 2015 com o intuito de assessorar, coordenar e introduzir a política de igualdade racial no estado de Pernambuco, mas quem executam são as secretarias fins, como Educação, Saúde, Meio Ambiente, etc. “Nosso papel é estar junto dessas Secretarias articulando essas políticas. A gente não tem poder de polícia, mas a gente orienta a população que denuncie. Em casos de denúncia acompanhamos na delegacia, no Ministério Público e também levamos para dentro da ouvidoria da nossa Secretaria [de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude - SDSCJ]”, diz Marta Almeida.


“O trabalho da Coordenadoria é fazer com que a população se perceba como parte de uma herança ancestral que constrói até hoje esse país. Então as palestras que damos nas escolas, o acompanhamento aos Conselhos Municipais, os cursos que participamos, o acompanhamento das Conferências de Igualdade Racial nos municípios, isso vem fazendo com que um trabalho de enfrentamento ao racismo aconteça”, complementa Pai Alan.


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Pai Alan de Oxalá e Marta Almeida, técnicos da Coordenadoria de Igualdade Racial de Pernambuco (foto: Lugar Afro)

Para os membros da Coordenadoria de Igualdade Racial de Pernambuco é importante que seja utilizado o termo “racismo religioso” para nomear episódios de ataque contra as religiões afro. Para Pai Alan quando se apropria desse termo o direcionamento é voltado para as religiões de matriz africana. “É esse segmento religioso que, realmente, enfrenta o racismo no nosso país, são os terreiros de Umbanda, Jurema, Candomblé e havendo essa percepção também se direciona o enfrentamento ao problema”, afirma. “Esses lugares são as pequenas Áfricas para gente se reencontrar, se fortalecer, se reconhecer. As pessoas negras são livres para escolherem suas religiões, mas elas precisam saber de onde vieram, e a Coordenadoria atua por esse caminho”, finaliza Marta Almeida.


Essa luta é de tod@s!


Estamos em uma época em que o discurso de ódio vem ganhando cada vez mais espaço, o que permite que mais episódios de racismo sejam reproduzidos. Precisamos nos posicionar! Independente de credo ou cor, a luta contra as diversas facetas do racismo é de tod@s nós. O Brasil é um país laico e o respeito a todas as religiões precisa ser reforçado em nossa sociedade.


Assista as entrevistas completas para ficar por dentro de tudo o que rolou no bate-papo sobre esse tema tão urgente, tudo está registrado no vídeo intitulado “(Fé)laicidade em ser de Axé”. Dividido em duas partes o vídeo encontra-se disponível no canal do Youtube do Lugar Afro e em todas nossas redes sociais.


Vamos junt@s!


Denuncie o racismo religioso por meio da ouvidoria da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude:


0800 081 4421


Endereço da Coordenadoria de Igualdade Racial de Pernambuco:


Rua Gervásio Pires, 399, Boa vista - Recife/PE








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